SOBRE O UNIDOS DA MADRUGADA
E O CARNAVAL 2014
"Comer, Dormir, Trepar,
Muito mal e rapidinho.
Pra voltar a trabalhar
Ai meu amor
Só tem mais cinco minutinhos."
Refrão do samba-enredo para 2014 do Unidos da Madrugada “Comer, dormir, trepar"
"Foi durante esta brincadeira que surgiu, em meio à folia, a vontade de acrescentar espécies de evoluções teatrais. A pergunta: será possível criar cenas teatrais que não inibam a fluidez dos brincantes; antes o contrário, que estimulem o jogo coletivo? E que, ao mesmo tempo, apresentem uma teatralidade diferente das convencionais alas do carnaval televisivo?"
Trecho do Projeto de Fomento ao Teatro para 2014 do Coletivo Dolores. pag 19.
"Ficou pequeno
O tempo e o espaço que eu tenho pra trepaaaar.
Matrimônio de fachada,
Putaria de balada.
E um amorzinho pra sair no Madrugada!"
Trecho do samba-enredo para 2014 do
Unidos da Madrugada relacionado ao núcleo
“Poesia e erotismo”.
"Ai que canseira!
Acordo cedo e volto tarde da labuta.
Na disputa por dinheiro
Fico fora o dia inteiro
Vendo meu tempo pro patrão filho da santa.
Santa preguiça,
Me conceda esse pecado capital
De fazer, da nossa vida, um eterno carnaval"
Trecho do samba-enredo para 2014 do Unidos da Madrugada relacionado ao núcleo “O direito à preguiça”.
"Estou no veneno
Com esse rango que se apronta num instante.
Muito aromatizante,
Bastante conservante,
Jantar transgênico apaixonante."
Trecho do samba-enredo para 2014 do
Unidos da Madrugada relacionado ao núcleo
“Narrativas na cozinha”.
"Quem faz samba não se submete
Mete, mete, mete
O pau na estrutura, eu vou!
Vou caminhando
Vou brigando, vou mudando
Dando, dando, dando
Poesia para a luta."
Refrão do samba-enredo para 2014 do
Unidos da Madrugada
No ano de 2014, a atuação do Unidos da Madrugada no carnaval ganhou outras nuances em relação aos anos passados. A mudança acontece especialmente por impulso do Projeto de Fomento ao Teatro de 2013/14 no qual o Dolores havia sido contemplado. O carnaval tinha, neste projeto, o importante papel de juntar, de forma harmônica, diferentes ações com desenvolvimento autônomo dentro do grupo.
Nos últimos anos, após o processo de criação e as temporadas de apresentação do espetáculo “A saga do menino diamante” - último espetáculo do Dolores, somado a “Insônias de Antônio” - o grupo formado por quase 25 integrantes, passou a se organizar em 4 núcleos de criação artística. Cada núcleo conduz suas pesquisas e criações teatrais de forma independente. São eles: Poesia e erotismo, Direito à preguiça, Narrativas da cozinha e vídeo (O núcleo de vídeo faz produções audiovisuais para o Coletivo, documentando e editando de forma autônoma e criativa os materiais cênicos produzidos pelo Dolores. Esse núcleo não fará produção para o carnaval.). Esses grupos possuem seus horários, modos de organização definidos e conduzidos pelos seus integrantes. De tempos em tempos, porém, os núcleos trocam entre si reflexões e parte da criação que vem sendo feita em seus processos. Um momento importante desta troca e, ao mesmo tempo, de abertura da criação para a comunidade é o carnaval. O objetivo é o de somar evoluções cênicas advindas dos núcleos de pesquisa na evolução carnavalesca pelas ruas do Patriarca. Portanto além dos sambas-enredos dos coletivos de samba, 3 cenas foram construídas especialmente para o cortejo. Fato é que para o Coletivo Dolores a festa carnavalesca é altamente teatral, mas a avaliação era que o elemento teatral ainda estava diminuído ou tímido em meio às passeata-sambas realizadas. Por isso a orientação de investigarmos jogos pra rua a partir da temática dos núcleos.
Cada núcleo portanto dentro de seus modos de criação elaborou uma espécie de “desvio carnavalesco”. Estes "desvios" foram colados à ação do Unidos da Madrugada e do encontro das batucadas. Assim foi feito no domingo 2 de março de 2014. Durante uma espécie de período criativo apartado do cortejo, desenvolveram-se cenas, textos, sambas e coreografias de diferentes propósitos e linguagens.
A partir das 15hs começou a concentração das batucadas no CDC Vento Leste. Foi durante o chamado “esquenta” que os três novos sambas de 2014 (da Unidos da Lona Preta, do Boca de Serebesqué e do Unidos da Madrugada) foram apresentados e ensaiados por esta bateria que se formava ali, naquele dia, com aproximadamente 60 ritmistas. A Kombi-carro-de-som do Dolores foi sendo preparada e testada. Fantasias extras foram disponibilizadas aos foliões desavisados. Bonecos gigantes também aguardavam quem os conduzisse pra animar a festa. Todos os integrantes Dolores estavam caracterizados para as ações performáticas de seus núcleos e portavam seus instrumentos percussivos. Antes da saída pelas ruas, a primeira intervenção cênica, do núcleo “Poesia e erotismo” foi apresentada.
A proposta do núcleo previa uma interrupção da batucada e o anúncio de um manifesto carnavalizado intitulado de Manifesto Nostálgico. Dois narradores, um para o prólogo e outro desencadeando a fábula-manifesto, e três personagens, um mestre de bateria, um tocador de surdo e um comandante de polícia, compunham a cena. O manifesto apresenta o universo das marchas festivas em luta que buscam tomar o poder. Para além do conteúdo político e satírico da intervenção, fica também marcado a possibilidade da palavra e das imagens teatralizadas, utilizados em pleno desfile de carnaval. A reação entusiasta do público e os silêncios conquistados durante a ação cênica indicam um campo de pesquisa formal importante a ser experimentado.
Já no cortejo, durante a apresentação do samba-enredo para 2014 do Unidos da Madrugada, o núcleo “Direito à preguiça” realizou sua intervenção. É importante colocar que o samba deste ano do bloco fazia uma junção dos temas tratados por cada um dos núcleos e este núcleo criou sua intervenção diretamente para o samba.
O núcleo “Direito à preguiça” realizou uma sátira às comissões de frente das escolas de samba e, durante a batucada, realizou uma coreografia ilustrativa da letra do samba-enredo. Adão, Eva e a serpente, cercados por anjos do paraíso, faziam reverências à Santa Preguiça, padroeira dos vagabundos, personagem criada pelo núcleo. Depois, a batucada parava e uma oração à Preguiça era entoada pelo grupo. Em seguida um hino sacro-carnavalesco da preguiça era cantado.
No cortejo, os vizinhos e os integrantes da “Batucada do povo brasileiro” se divertiam com os novos elementos que surgiam no percurso.
Tudo isso somado à retumbante batucada, às fantasias e ao bloco das crianças, separado por cordões onde os pais e outros voluntários faziam sua segurança durante a andança. A esta altura a festa já tinha cerca de 300 seguidores. As intervenções seguiram pelas ruas até a noite cair.
O núcleo “Narrativas da cozinha” apresentou então sua intervenção:
Escutam-se marchinhas consagradas em versões parodiadas e pelo cortejo aparecem vendedores ambulantes distribuindo itens da culinária das ruas. Logo intervém a repressão policialesca e, em câmera lenta, realizam uma luta de expulsão do trabalho informal criando conexões com as leis de exceção da Copa da Fifa.
Para finalizar o dia, agora noite, encontram-se no CDC Vento Leste todos os integrantes da batucada e foliões para preparação do jantar e organização da ciranda infantil. Todo o trabalho se dá no formato de mutirão e ali já não se reconhece quem é quem.